Laudo do Exército sobre litígio entre o Piauí e o Ceará deve ser concluído em maio de 2024

Informativo

Decisão do STF vai se basear no resultado da perícia dos militares. Piauí judicializou a questão para tentar recuperar territórios. Caso a decisão seja a favor do Piauí, o Ceará não perderá nenhum município.

O laudo pericial do Exército Brasileiro acerca do litígio entre o Piauí e o Ceará deve ser concluído em maio de 2024, segundo o procurador do estado, Lívio Bonfim. A informação foi divulgada nesta segunda-feira (27) em audiência na Assembleia Legislativa do Piauí.

Conforme o procurador, a expectativa é de que o laudo considere os documentos históricos e o trabalho de campo do Exército na região do litígio. No processo já estão listados documentos como mapas e decretos imperiais.

Contudo, um novo documento, apresentado pelo mestre em gerografia Eric Melo, assessor técnico do governo do estado, também deverá compor o processo. O documento é um alvará de 1770, do então rei de Portugal, D. José I, anexando o território de Vila Viçosa Real à capitania do Piauí. Anteriormente Aldeia da Ibiapaba, a Vila posteriormente tornou-se Viçosa do Ceará.

Com base no laudo, os ministros do Supremo Tribunal Federal irão decidir sobre a real propriedade das terras.

Na audiência desta segunda-feira (27), estiveram presentes assessores técnicos do governo e autoridades envolvidas no tema, como o ex-governador Wilson Martins. Ele foi o gestor responsável pela Ação Civil Ordinária que deu origem ao processo, ainda em 2011, buscando resolver o litígio entre os estados.

O propositor da audiência, deputado Gil Carlos, destacou que a audiência tem como objetivo atualizar a população do andamento do processo. Segundo ele, a decisão quanto aos territórios deve passar por um entendimento entre os estados, sem ignorar os documentos históricos e o laudo pericial.

Para o economista, ex-professor da Universidade Federal do Piauí e ex-deputado, Felipe Mendes, é preciso que a ciência prevaleça na decisão e que tanto o Piauí quanto o Ceará

“O Brasil não pode ficar com o mapa onde aparece uma zona de litígio, mas eu acho que o processo vai terminar bem para os dois lados, o Ceará e o Piauí. O Ceará alega muito essa questão de conflito cultural, mas é um assunto que não pode ficar fora dos limites da ciência. A ciência diz o quê? E a política, naturalmente. A divisa natural dos dois estados é a linha por onde correm as águas. O lado de lá é o Ceará, o lado de cá é o Piauí”, declarou.

O litígio

Entendendo a disputa por terras entre o Piauí e o Ceará

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O litígio iniciou em 1758 e permanece até hoje. Os dois estados disputam uma área de terras que fica na Serra da Ibiapaba e envolve 13 municípios cearenses e oito piauienses.

Caso a decisão seja a favor do Piauí, o Ceará não perderá nenhum município. Ao todo, são 3 mil quilômetros quadrados de terras, a maioria da Zona Rural dos municípios, e cerca de 25 mil pessoas envolvidas.

Ação no STF

Para buscar um fim à disputa secular, o Piauí judicializou a questão ainda em 2011. O Supremo Tribunal Federal determinou então que o Exército realizasse a perícia na região. A perícia ainda não foi concluída e a previsão é de que se encerre em 2024.

O caso está tramitando no Supremo Tribunal Federal (STF), sob relatoria da ministra Cármen Lúcia, que solicitou ao Exército uma perícia na região para decidir a quem pertencem as terras. A ação foi ajuizada pelo governo do Piauí e já custou R$ 6,910 milhões aos cofres piauienses.

A questão divide os moradores da região, que tem grande potencial econômico, especialmente na área do agronegócio. Parte da população de algumas das cidades é contrária a essa mudança de naturalidade, outra, é a favor.

Piauí nunca “trocou” terras com o Ceará

O assunto foi tema da dissertação de mestrado, pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), do geógrafo Eric de Melo. Ele hoje integra o grupo de trabalho que acompanha a perícia. Após extensa pesquisa, Eric é taxativo: o Piauí sempre teve direito ao território e o Ceará permanece avançando sobre terras piauienses.

Ele diz que muitos mitos precisam ser desfeitos: o primeiro de que o Piauí nunca teve litoral e que o Ceará teria cedido o território ao estado. O segundo de que o trecho da Serra da Ibiapaba teria sido cedido ao Ceará nesta troca.

Mais detalhes sobre o litígio

  • Municípios envolvidos
  • Mitos entre os estados
  • O Piauí sempre teve litoral
  • Regras para divisão territorial
  • Disputa judicial
  • O que dizem os governos
  • Potencialidades e atrativos da região
  • O que pode acontecer?

Municípios envolvidos

Entendendo a disputa por terras entre o Piauí e o Ceará. Litígio está no STF — Foto: g1

Entendendo a disputa por terras entre o Piauí e o Ceará. Litígio está no STF — Foto: g1

Os municípios cearenses envolvidos na disputa, que podem perder parte do seu território, são: GranjaViçosa do CearáTianguáUbajaraIbiapinaSão BeneditoCarnaubalGuaraciaba do NorteCroatáIpueirasPorangaIpaporanga e Crateús.

No Piauí, alguns municípios podem ter seus territórios aumentados, sendo eles: Luís CorreiaCocalCocal dos AlvesSão João da FronteiraPedro IIBuriti dos MontesPiracurucaSão Miguel do Tapuio.

O Piauí sempre teve litoral

“Antigamente, se dizia que o litígio havia surgido de uma ‘troca’ entre Piauí e Ceará, que dera o litoral do Piauí. Na verdade, o Ceará invadiu o litoral do Piauí e, em 1880, Dom Pedro II assina um decreto obrigando a devolução desse litoral”, explica o pesquisador Eric de Melo.

Mapas mostram que o Piauí já tinha território definido desde 1760, com o Mapa de Galucio — Foto: Mapa da Capitania do Piauí (1760), produzido pelo engenheiro militar Henriques Antonio Galúcio (NOGUEIRA, 2002)/Eric Melo

Mapas mostram que o Piauí já tinha território definido desde 1760, com o Mapa de Galucio — Foto: Mapa da Capitania do Piauí (1760), produzido pelo engenheiro militar Henriques Antonio Galúcio (NOGUEIRA, 2002)/Eric Melo

Ele completa: “Paralelo a isso, em decorrência das secas de 1840 e 1877, o Ceará recebia atenção especial do Império, que, aproveitando o decreto, decide passar para o Ceará terras do leste do Piauí, que compreendem as nascentes do rio Poti. Não foi uma troca”.

Os documentos citados mostram que o Piauí já tinha território definido desde 1760, com o Mapa de Galucio (acima). O primeiro mapa do Ceará é apenas de 1800 (abaixo).

Mapa do Ceará foi definido anos depois do mapa do Piauí e não incluía litoral piauiense — Foto: Eric de Melo/Mapa Geographicó da Capitania do Seará de 1800 de Mariano Gregório do Amaral

Mapa do Ceará foi definido anos depois do mapa do Piauí e não incluía litoral piauiense — Foto: Eric de Melo/Mapa Geographicó da Capitania do Seará de 1800 de Mariano Gregório do Amaral

Regras para divisão territorial

De acordo com Melo, outro ponto importante é a regra para divisão territorial, que quando acontece por uma parte do relevo da região, considera o chamado divortium aquarum, o divisor de águas.

Assim, como a região fica em uma Serra, o ponto mais alto é o divisor natural. De um lado, o território é piauiense. Do outro, cearense. É a partir disso que o pesquisador afirma que o estado vizinho avançou esse ponto. Há regiões de cidades cearenses bem a oeste da Serra.

Disputa judicial

O procurador do Estado Luiz Filipe Ribeiro, que integra a Procuradoria do Patrimônio Imobiliário e Meio Ambiente da PGE-PI, explicou que, em 1920, durante a Conferência de Limites Interestaduais, foi assinado um acordo (Convênio Arbitral) entre os Estados do Piauí e do Ceará.

Este acordo foi firmado com o Presidente Epitácio Pessoa e nele ficou estabelecido que engenheiros de confiança do governo da República fariam um levantamento topográfico do trecho da causa. A ação nunca foi realizada e nos anos 2000 houve tentativas de acordo entre os estados que também não tiveram sucesso.

“Restando infrutíferas as tentativas de acordo, o Governador do Estado do Piauí autorizou, por escrito, que se buscasse o Poder Judiciário para solucionar esse litígio”.

Diante de toda a situação, em 2011 o governo piauiense, na época sob comando do governador Wilson Martins, buscou a Suprema Corte para decidir a questão. Segundo a Constituição, este é o órgão o responsável por solucionar casos de litígio no país.

Após alegações dos dois estados, o STF determinou a realização de uma perícia na região, para definir de quem são as terras. No momento, o Exército Brasileiro realiza a perícia, que tem previsão de conclusão para 2024.

Agora, em 28 de agosto, o Exército iniciou o trabalho de campo. Somente após a análise, o STF poderá decidir sobre o caso.

“Após a conclusão da perícia feita pelo exército, o STF deve oportunizar prazo para as partes se manifestarem. Em seguida, o processo deve ser incluído em pauta para julgamento pelo STF”, informou o procurador do Piauí, Luiz Filipe Ribeiro.

Potencialidades e atrativos da região

A área dispõe de características bastante atrativas para os setores econômicos de forma geral, em especial agropecuários e possui Produto Interno Bruto (PIB) estimado em aproximadamente R$ 6,5 bilhões. Além disso, o potencial hídrico é um dos grandes destaques. Nessas áreas, são encontradas 4 sub-bacias hidrográficas, sendo a maioria dos seus rios afluentes da bacia hidrográfica do Parnaíba.

Granja, Ceará — Foto: Mateus Ferreira

Granja, Ceará — Foto: Mateus Ferreira

“Como prova disso, estão as criações do gado, caprinos, ovinos, suínos, galinhas, abelhas, equinos e diversas espécies de peixe, além das plantações e da atividade extrativista vegetal, que nos municípios que possuem seus territórios nas áreas de litígio, representam mais de 1.000.000 de hectares, distribuídos por quase 60.000 estabelecimentos”, informa a pesquisa de Eric.

Contudo, ele avalia que um dos entraves para maior desenvolvimento da região é a indefinição acerca da jurisdição.

“O desenvolvimento social e econômico de quem vive em meio ao litígio entre os estados é precário, uma vez que empreendimentos públicos e privados, assim como infraestrutura e serviços básicos não chegam a esses lugares devido à indefinição sobre a qual território pertencem essa área”, diz.

Segundo a deputada cearense, o Ceará pretende ouvir a população da região sobre o litígio. “Nós estamos fazendo algumas audiências públicas para coletar algumas assinaturas para abaixo-assinado mostrando o sentimento de pertencimento das pessoas que estão diretamente ligadas a esse litígio, que estão dentro dessa briga, e poderão perder alguma coisa ou não”, destaca.

O que pode acontecer?

Bom, mas afinal, o que pode acontecer dependendo dos resultados? Se o Ceará continuar com as terras, nada vai mudar.

Caso os territórios retornem ao Piauí, a principal mudança é que muitos territórios cearenses se tornarão piauienses. Assim como 25 mil pessoas do estado vizinho “mudarão” de endereço.

É importante destacar que os municípios não serão integrados ao Piauí em sua totalidade, mas apenas parte de seus territórios.

“O que pode ocorrer: áreas que hoje estão ocupadas pelo Ceará passarão oficialmente para a jurisdição do Piauí. Os núcleos urbanos que são registrados como do Ceará até 1880, mesmo estão sobre os planaltos da Ibiapaba, permanecerão como do Ceará. Agora o que foi instalado após 1880 ficará com o Piauí”, explicou Eric.

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