Santa Clara em cinzas: o ciclo cruel das queimadas no coração do Piauí

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Comunidade rural de Canto do Buriti revive tragédia anunciada; entre a dor das perdas e o silêncio das autoridades, a natureza e a dignidade humana seguem consumidas pelo fogo.

Santa Clara em cinzas: o ciclo cruel das queimadas no coração do Piauí

Comunidade rural de Canto do Buriti revive tragédia anunciada; entre a dor das perdas e o silêncio das autoridades, a natureza e a dignidade humana seguem consumidas pelo fogo.

Por: Jornalista Flávio Amorim – DRT nº 002309/PI Fonte: Redação do mkanews

23/09/2025 às 16h05 Atualizada em 23/09/2025 às 16h26

Foto: Reprodução / whatsapp

A cada volta do calendário, quando os meses mais áridos se instalam no sertão piauiense, a população da comunidade Santa Clara, na zona rural de Canto do Buriti, revive o mesmo pesadelo: o fogo que tudo consome. Localizada a 407 km de Teresina, Santa Clara abriga cerca de 1.200 habitantes distribuídos em aproximadamente 420 famílias. Ali, a vida simples convive com o medo constante das chamas.

Neste setembro de 2025, mais uma vez, um incêndio de grandes proporções assolou a região. As imagens do fogo cruzando matas e cercas não chocam apenas pelo vermelho voraz, mas pelas memórias que evocam. No ano anterior, em 2024, quatro membros de uma mesma família — pai, mãe, sogra e o filho com deficiência intelectual, perderam a vida em um incêndio na localidade. Uma tragédia que rasgou não apenas o sertão, mas o coração da comunidade.

Um ciclo que se repete em silêncio

As queimadas na Santa Clara não são novidade. Todos os anos, moradores enfrentam incêndios que duram dias, como em agosto de 2023, quando 7.232 hectares foram devastados em Canto do Buriti. Em 2022, pastagens, colmeias e plantações foram destruídas, gerando prejuízos econômicos severos para os pequenos produtores da região. Mesmo assim, pouco foi feito.

A vegetação seca, somada ao clima escaldante do chamado “B-R-O Bró”, cria o cenário perfeito para a propagação do fogo. No entanto, é a ausência de políticas públicas efetivas de prevenção, combate e assistência que transforma uma vulnerabilidade natural em uma tragédia crônica. A comunidade clama por ajuda, mas o eco das chamas parece mais alto que o das autoridades.

Fogo queima também o futuro

Mais do que flora e fauna, o fogo que atinge Santa Clara consome histórias, dignidade e esperança. O sertanejo que perde o apiário, o agricultor que vê a lavoura virar cinzas, a mãe que teme pela vida dos filhos, todos compartilham o peso da insegurança. A cada ano, os danos se acumulam, e a certeza da próxima queimada transforma o cotidiano em sobrevivência.

É necessário questionar: até quando vidas humildes serão apagadas pelo descaso? Até quando o interior será lembrado apenas na hora da dor? As chamas não conhecem CEP. Elas são reflexo de um país que ainda não compreendeu que proteger o meio ambiente é proteger seu próprio povo.

Reflexão e urgência

A Santa Clara arde, e o Brasil não pode mais fingir que não vê. A tragédia precisa ser enfrentada com seriedade. É urgente investir em educação ambiental, em brigadas comunitárias equipadas, em políticas sustentáveis que valorizem a vida no campo. Os incêndios não podem continuar sendo apenas estatísticas sazonais, eles são gritos de socorro emitidos por uma terra que, há muito, se sente abandonada.

Que a fumaça que sobe da Santa Clara sirva não apenas para escurecer os céus, mas para iluminar consciências. Que as cinzas deixadas pelas queimadas germinem sementes de responsabilidade e ação concreta. Porque preservar é, antes de tudo, respeitar. E nenhuma vida, por mais distante que pareça, é descartável, elas importam.

 

 

fonte: Jornalista Flávio Amorim

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